Leia a entrevista dada à CM Almada "Quando percebi que conseguia circular sozinha aqui, rejuvenesci. Hoje, não deixo de ir a lugar nenhum por estar de cadeira de rodas e isso dá-me uma imensa alegria. É liberdade, autonomia, independência.
Sou a MARTA CANÁRIO, tenho 48 anos, não sou almadense, mas a minha ligação à margem sul começou aos 9 anos de idade. Nasci e cresci em Alvalade, na Av. da Igreja, mas os meus pais tinham uma casa alugada ao ano na Charneca de Caparica para onde vínhamos todos os fins de semana.
Aos 15 anos, tive um acidente que me deixou de cadeira de rodas e viver em Alvalade, num prédio antigo com muitas escadas, tornou-se muito complicado. Quando decidimos vender a casa, como eu e a minha irmã já aqui tínhamos passado a nossa melhor infância e adolescência, procuramos uma casa deste lado. Vivo na Quinta do Texugo há 24 anos.
Continuo a gostar muito de Lisboa, mas também gosto muito do sítio onde vivo, principalmente desde que, há poucos anos, a Charneca se tornou um sítio muito mais acessível para mim. Os passeios rebaixados, os passadiços onde estamos (Mata dos Medos) … Nunca pensei alguma vez na minha vida poder passear num passadiço completamente acessível porque os que existem por Portugal inteiro têm escadas.
Foi uma imensa alegria quando, finalmente, Almada me mostrou que as acessibilidades deixaram de ser uma preocupação só das pessoas de cadeiras de rodas e das suas famílias e passou a ser uma preocupação das pessoas que decidem. Há quase 30 anos que frequento a Charneca e só há 3 ou 4 consigo ser totalmente autónoma, ir ao supermercado fazer as compras da semana, buscar os frangos para o jantar, etc. Tenho esta cadeira com um dispositivo elétrico, que é uma espécie de mota e ajuda muito a ultrapassar obstáculos. Esta evolução faz-me sentir que não sou uma exceção e que, finalmente, faço parte da comunidade, da minha vila. Sou uma cidadã igualzinha às outras, pago os meus impostos, cumpro os meus deveres e gosto muito de ver os meus direitos respeitados. Poder circular, ir para onde eu quero e fazer a minha vida sem depender de ninguém é muito importante. Não é um momento, é uma forma nova de estar na vida. Tenho o hobby da fotografia e agora tenho muitos sítios diferentes onde posso ir.
Fiquei assim por uma intoxicação por monóxido de carbono. Esquentador na casa de banho …
A vida continuou. Muita fisioterapia, escola e faculdade. Fiz a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova e sou assessora de imprensa numa empresa multinacional tecnológica há 24 anos. Antes do convite desta empresa, que surgiu no último ano da Faculdade, o meu objetivo era apresentar o Jornal da Noite da SIC.
De resto, gosto muito de estar com os meus amigos, com a minha família, com o meu cão, e de, ao fim do dia, vestir qualquer coisa confortável e ir para a rua fotografar. Em Almada, gosto muito de passear aqui pela Mata dos Medos, no centro da Charneca para apreciar a dinâmica de crescimento que está a ter, no paredão da Costa, Trafaria, Cacilhas, Porto Brandão. Em breve, vou aventurar-me por Almada Velha.
Se quero deixar aqui uma mensagem? Sim, a da universalidade. Temos de tornar as coisas universais. Isto das acessibilidades não é só para aquela rapariga da cadeira de rodas ou para aquela pessoa cega, mas para toda a gente. Um dia, todos vão precisar dos passeios rebaixados, dos passadiços acessíveis, das lojas sem degraus, das rampas, das casas de banho adaptadas. As grávidas, os idosos, as pessoas obesas, as que andam de canadianas, todas.
Como eu costumo dizer, tudo deve ser feito sempre para os 8 biliões de pessoas do mundo."